A Casinha

julho 18, 2018

- Dez de Abril de dois mil e quinze.


Já dentro do carro comecei a pensar no que a vida preparava para mim. Havia despertado há alguns anos a minha paixão pelo meu pai, ser humano cheio de falhas e acertos que me tocou com sua estória, força, razões e determinações. Na minha infância nunca entendi o porquê de tantas atitudes, mas depois de crescida entendi que tudo tem seus próprios motivos, alguns que por si só não se justificam, mas acalmam nosso coração e nos dão oportunidade de enxergar o mundo ao nosso redor e ao redor do outro de outro ângulo. A estrada era linda, muitas fazendas e construções antigas por quase todo o caminho. A simplicidade exposta debaixo do céu que se colocava ainda mais enorme e incrível enquanto passávamos encantados com os tons de verde esperança dos pastos, sentindo o vento lhe beijar o rosto. Eu estava muito ansiosa com tudo que ainda iria ver e sentir, afinal estava indo ao lugar de onde meu pai veio. Desde criança estive presente com a família da parte da minha mãe, sempre cercada dos meus tios, primos, avós... Por outro lado, da família do meu pai tenho poucas recordações, conheço apenas meus avós, um tio e uma tia, mesmo sabendo que meu pai tem mais irmãos e que, consequentemente, tenho vários primos. Apesar da distância Rio de Janeiro (RJ) - Campos (RJ), nunca entendi muito bem tanto afastamento, apesar de já ter escutado, através da minha mãe, muitas estórias que talvez pudessem explicar. 

Pensei durante o caminho inteiro em todas essas situações e tentei me livrar de amarras, pré-conceitos e julgamentos. Por fim, depois de passar por Baixinha da égua e Carrapato e dar algumas risadas com os nomes do bairros, chegamos em Boa Sorte, terrinha do meu amado e querido pai. Entramos em uma rua ainda em barro e seguimos por alguns quilômetros a frente, então passamos por uma escola bem pequena e simples, que meu pai me mostrou dizendo ser onde havia estudado e que ainda lembrava da professora que o ensinava, tamanha sua bondade. Já nesse instante meus olhos se enxeram de lágrimas e pude sentir a emoção preencher meu coração, imaginei como deveria ser há mais de quarenta anos atrás. Alguns metros depois e veio a igreja, que ele também apontou contando que lembrava-se de relance que costumava visitar com a mãe, já falecida. 

É incrível como passar por aqueles lugares me fez entrar em contato com partes tão profundas de mim, foi dali que vim também, foi dali que meu pai conseguiu criar força, coragem, ânimo, mesmo tendo enfrentado uma realidade tão dura e muitas tragédias, e buscar um lugar diferente e mais confortável em sua vida. 

Antes mesmo que eu pudesse me desligar da escola e da igreja, ele exclamou com muita empolgação: - Olha filha, a casa do vovô! 
Procurei curiosa e avistei a casinha cor de azul desbotado. Desci do carro completamente sem jeito e encontrei uma tia, que já havia me conhecido antes, mas eu realmente não tinha nenhuma recordação. Ela me convidou para entrar e me acomodou com muito carinho. E ao estar naquele ambiente me surpreendi com tamanha simplicidade, ternura e verdade que nunca conheci. Minha avó - madrasta de meu pai - me felicitou com um abraço apertado, ela cheirava a doce de abóbora. Passando pela sala, corredor, cozinha, saímos em um quintal onde encontramos meu avô deitado em uma rede a dormir. Meu pai caminhou até ele e o abraçou, depois o trouxe até mim que também recebi um dos abraços dele, tão distante como todos os anos que nos separaram. Me pus a absorver todos os detalhes que podia durante aquela tarde e reparei em muitas coisas em comum entre meu avô e meu pai. Como por exemplo o violão, que meu pai costumava tocar mesmo sem saber direito, e que meu avô fazia igual. Meu pai estava tocando na varanda da casa e especialmente naquele dia enxerguei uma criança em seu lugar, ele parecia se reviver. 

Em outro momento, entrei no quarto de minha vó, que era composto de uma cama e um guarda-roupa, quase que sem espaço para andar. Ela estava junto de minha mãe, que por sua vez estava lhe presenteando com alguns pratos, eis o diálogo:

- Esses pratos são ótimos, dona Maria. Tenho deles há muitos anos...

Vovó respondeu em sua inocência:

- Ah, que lindo! Você está me dando seus pratos?

Não tive como conter o sorriso.

- Não, dona Maria, esses eu comprei especialmente para você. - Respondeu mamãe, tentando esconder o sorriso.

Minha avó ficou toda vermelha e aquela foi uma das cenas mais bonitas que já vi na vida.

Os homens de minha família me encantam pela força, coragem, trabalho, honestidade e cuidado. Mas as nossas mulheres me ganham por serem tão frágeis e emotivas olhando de longe, mas incríveis guerreiras, valentes e determinadas apesar das circunstâncias, mesmo tendo que enfrentar tantas adversidades que só sabe quem nasceu mulher. A minha avó era uma dessas mulheres que te tiram de órbita, casada há 50 anos, mãe que teve uma de suas filhas roubadas, esposa de um homem frio e duro, no meio de um lugar onde o único divertimento é ir a igreja. Imagino que a vida dela não deve ser um mar de rosas, mas mesmo assim tinha dentro de si doçura, esperança, força para ajudar e estava pronta para conquistar. 

Almoçamos todos juntos naquele sábado, andei de moto com um primo de treze anos. Levei meus avós para andar de carro, fizemos compras, conheci um priminho de sete anos que roubou completamente meu coração, nunca irei esquecer a alegria e o carinho daquela criança. Conheci também um amigo de infância de meu pai, que possuía um mercadinho e continuava vivendo por lá. Fiz questão de respirar profundamente o ar daquele lugar e agradecer a Deus por ter me mostrado minhas raízes e ter a certeza que para ele nada é impossível. A vida do meu pai, a realidade que teve e tudo que conquistou a partir daquilo é muito além do que qualquer um poderia imaginar. Tudo que nos tornamos, é através dessa imensa misericórdia, não me restam dúvidas.

O nome do lugar era Boa sorte, e era isso que ele dizia dentro dos nossos corações quando nos despedíamos. Fim de dia, fui embora cheia de sentimentos bons, lá fora o céu derretia enquanto nos despedíamos de tanto. Viver, às vezes requer voltar para ver de novo.

"Vai diminuindo a cidade
Vai aumentando a simpatia
Quanto menor a casinha
Mais sincero o bom dia"



B. Barbosa.





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2 comentários

  1. Meu deus!!!! Consegui viver esse dia c vc. Q coisa linda.

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